Manifesto

Manifesto por um Plano Diretor Popular para a Florianópolis que Queremos

1. As origens da lei atual (PLC 482 de 2014)

A luta da população de Florianópolis pela participação popular no planejamento e gestão da cidade antecede o atual processo de discussão do Plano Diretor. A história da lei atual já evidenciava o embate entre os interesses da população versus o interesse do capital imobiliário e sua influência na Prefeitura (PMF), Câmara de Vereadores (CMF), Instituições do Estado e imprensa hegemônica.

A aprovação da Lei Complementar 482, promulgada em janeiro de 2014, foi fruto de um golpe orquestrado pelo setor imobiliário da cidade em conluio com a maioria dos vereadores da CMF. No “apagar das luzes” de 2013, à revelia do Regimento Interno e em regime de rito sumário, a maioria dos vereadores aprovou 305 emendas das quase 700 que haviam sido apresentadas, impedindo qualquer discussão no plenário e contando com intensa repressão policial contra a população que se manifestava. Anteriormente, as emendas haviam sido “negociadas” com inúmeros vereadores isoladamente e com bancadas, por parte dos representantes da Prefeitura, à revelia do texto proposto no anteprojeto fruto das discussões havidas ao longo do Plano Diretor Participativo – o PDP, desde fins de 2006. Desse autêntico “golpe parlamentar” resultou o “frankenstein” que vige ainda até hoje, a malfadada LC 482, que reúne uma série de inconstitucionalidades, impõe um projeto em desconformidade com as deliberações distritais à época, bem como contém inúmeras contradições internas. Isto levou a um processo de judicialização, junto ao MPF, ao qual foi encerrado em 2017, já na gestão Gean Loureiro, que recorreu ao STJ, em Brasília, conseguindo suspender todo o processo de revisão do plano diretor em andamento, sob alegação que não caberia ao MPF atuar na esfera municipal.

 

2. O processo ilegal de sabotagem da participação popular empreendido pela gestão Gean Loureiro/Topázio Neto

A gana para impor os interesses da especulação imobiliária acima dos anseios da população ganhou outra intensidade durante a gestão de Gean Loureiro, na qual a estratégia passou a ser de evidente negação e, posteriormente, neutralização do processo de participação popular por parte da Prefeitura, buscando impor um Plano Diretor à toque de caixa e sem discussão com a sociedade, em evidente desacordo com a lei federal do Estatuto da Cidade.

Em janeiro de 2021, a Prefeitura enviou à Câmara Municipal um pacote, durante o recesso parlamentar, onde estava incluído o chamado “Floripa mais Empregos”. Apesar do nome, o projeto visava modificar o Plano Diretor sem a realização de quaisquer audiências públicas, e sem passar por análise e parecer prévio do Conselho da Cidade. O projeto, votado em regime de urgência, foi derrotado em uma apertada votação pela Câmara Municipal.

Em dezembro daquele ano, a Prefeitura voltou à carga, em plena pandemia, propondo realizar apenas uma Audiência Pública, após publicar uma minuta que passou de forma atropelada no Conselho da Cidade. A proposta foi rechaçada por força judicial, graças à mobilização popular junto ao MPSC, obrigando-a a realizar 13 audiências públicas distritais e uma municipal, ao longo do primeiro semestre de 2022.

Desconsiderando propostas apresentadas por inúmeras entidades para realizar, previamente às audiências, oficinas comunitárias, distritais e temáticas, a Prefeitura resolveu unilateralmente convocar as audiências públicas requeridas judicialmente. Tiveram como propósito “ouvir” a população, em que pese a ostensiva presença policial e não haver uma proposta de anteprojeto formal (uma minuta), embora fizesse transitar inúmeras versões de texto nos bastidores. Contudo, as audiências evidenciaram o claro descontentamento da população quanto à condução deste processo antidemocrático, bem como em relação aos conteúdos que os representantes da Prefeitura apresentavam no bloco inicial desses eventos. Ao final, após realizar todas as audiências públicas exigidas judicialmente, a Prefeitura compilou um anteprojeto que ignorou totalmente as demandas apresentadas pela população, individual e coletivamente, fazendo do processo de participação um teatro premeditado de “faz de conta”. Durante o processo também alijou totalmente o corpo técnico da Prefeitura, atribuindo a uma “equipe de especialistas” escolhida a dedo, para compilar o anteprojeto que, após conturbada passagem no Conselho da Cidade, viria apresentar depois à Câmara Municipal.

3. As origens, metodologia de construção e fundamentos da Proposta Popular

O anteprojeto popular, apresentado por este “Manifesto” é o resultado de uma intensa jornada de discussões amplamente convocadas por grupos e entidades da sociedade civil, que teve seu início em outubro de 2022 quando o Fórum da Cidade e Tecendo Redes chamaram uma plenária com vistas a discutir as posições do movimento popular da cidade críticos à Prefeitura, frente ao “atropelamento” e ilegalidades cometidas pela mesma e os passos que se seguiram no seu intento de alijar a participação popular do processo. Na sequência, outra plenária definiu a constituição de um “grupo de trabalho” voltado a propor uma metodologia de discussão eminentemente popular, participativa e transparente, visando construir uma contraproposta ao anteprojeto apresentado pela Prefeitura, já então entregue na Câmara Municipal e nos primeiros estágios de tramitação.

A metodologia aprovada dividiu o texto da LC 482 em seis “relatorias setoriais”, atribuiu a “relatore(a)s” a análise dessas partes, bem como também se valeu da contribuição de inúmeros “consultore(a)s”, convidado(a)s a dar suas opiniões sobre as revisões que deveriam ser empreendidas tanto no texto da vigente LC 482, quanto do PLC 1911/22 - o projeto apresentado pela Prefeitura. Tratou-se de fazer, pela primeira vez na história do movimento popular da cidade, um processo que teria como produto final, um “anteprojeto substitutivo global” ao daquele apresentado pela Prefeitura. Este “manifesto à população” retrata seu histórico e as inúmeras fundamentações que lhe deram base.

A proposta tem como eixos principais a participação da sociedade no planejamento e gestão da cidade, o desenvolvimento ecologicamente sustentável, o direito à cidade, e a ciência do colapso do equilíbrio ecológico planetário. Muitas das ideias presentes na proposta são fruto de um acúmulo histórico de debate e luta do movimento social, como é o caso por exemplo da proposta de Tarifa Zero para o transporte coletivo.

4. Presente e futuro da Proposta Popular

A proposta popular tem como objetivo imediato servir como um ponto de apoio concreto para que os agrupamentos críticos à proposta da PMF, tais como movimentos sociais, associações de moradores e demais organizações e pessoas preocupadas com o futuro da cidade, bem como de parlamentares solidários à proposta, possam se alinhar e aglutinar forças, com embasamento para participarem das audiências públicas e discussões que se darão dentro e fora da CMF até a votação do PLC no decorrer de 2023. Mas também, ao inserir-se na memória do movimento popular da cidade, constituir-se com uma referência no curso dos anos que se seguirão, para confrontar as consequências e os cenários advindos da nova lei sobre a qualidade de vida na cidade, com cenários futuros muito distintos dos anteriores, caso fossem aprovadas as propostas ora apresentadas.

Mesmo que o PLC da PMF venha a ser aprovado, acreditamos que a proposta seguirá servindo como uma referência política, conceitual e, para que em conjunturas mais favoráveis, possamos avançar na construção de um modelo de cidade que enfrente os urgentes desafios do nosso tempo, como o colapso planetário causado pela emergência climática e o agravamento das desigualdades sociais, frutos do modelo econômico atual.

Por fim, este “tecer coletivo” da proposta carrega um valor em si próprio. Que o presente trabalho também possa servir de inspiração em sua metodologia de construção popular, de como o povo, alijado de seu direito de participar, pode se organizar, exercendo sua autonomia para propor um futuro melhor para o lugar onde vive.


Florianópolis, 08 de fevereiro de 2023.


Grupo Coordenador de Trabalho:

Gert Schinke

Lino Peres

Pablo

Rosângela Campos

Sérgio Raulino

Zoraia Vargas


Relatore(a)s:

Arlis Buhl Peres,

Gert Schinke

Hélio Carvalho Filho,

João de Deus Medeiros e Lino Peres

Rosângela Campos

Marina Siqueira

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